domingo, 26 de junho de 2011

Julia Roberts e Eu

Ele era o carinha mais bonito da escola, a gente se encontrou anos depois da formatura numa festinha em Santos. Ele me convidou pra assistir um filme: pipoca, mãos dadas, aquela coisa toda. “Você vai adorar o filme, é super romântico, eu lembrei de você”, ele disse, munido do VHS de Uma linda mulher, o filme que fincou o pé da Julia Roberts no estrelato na pele de uma prostituta carismática.
Não, não foi o fato de ele ter me comparado a uma prostituta que me incomodou. Foi tampouco o fato de ter escolhido um filme hollywoodiano sessão-da-tarde que atentou contra meu paladar burguês de posto 4. Foi o fato de o sujeito ter achado super romântico, um conto-de-fadas moderno, a verdadeira “reforma” a que se submete a serelepe Vivian Ward. Pra quem não lembra (ou finge que tinha cinco anos na época), “Uma linda mulher” - Pretty woman, no gringo - foi um hit dos anos noventa e que marcou para sempre o gênero de comédias românticas. Pra começar, é considerado o mais bem sucedido da categoria, tendo embolsado algo na casa dos 450 milhões de dólares. Também foi um sucesso de crítica e rendeu à Julia Roberts o Globo de Ouro e indicação ao Oscar.
Originalmente criado pra ser um dramão sobre prostituição em Nova Iorque, o filme mudou a direção comercial para inaugurar uma longa franquia de comédias românticas de moral duvidosa produzidos em Hollywood. Vivian é retratada quase que com uma certa dose de liberdade, ao contrário do homem que parece estar preso às amarras sociais e econômicas da classe dos nouveau riche. Por isso, ao encontrar Edward (Richard Gere, no papel convincente de homem-de-negócios boçal) ele precisará treinar Vivian no mundo do bem-bom, não para fazer com que a gata borralheira de torne princesa – mas pra que ela queira tornar-se uma. O filme parece inovador porque a fórmula do ‘amor que não se pode comprar’ é óbvia demais, aqui Edward pode sim comprar tudo, já comprou o sexo da mulher, a roupa, até a própria mulher. Ela é uma mercadoria, concretamente, e que por isso oferece pouca nuance além do seu valor de troca. O que Edward parece não conseguir adquirir é o desejo (lembra aquele clichêzinho que o povo adora, que ela dá pro cara mas não beija na boca?). Então o filme vira uma caça do homem rico entediado ao algo-mais da mulher-mercadoria, do desejo dela e tudo o mais que é desafio. Um dia ele consegue, mas eis que a mercadoria sai melhor do que a encomenda: colocada como uma mobília num apartamento que ele arrumou pros encontros exclusivos, a mulher desabafa: “esse não é o conto-de-fadas que eu quero”.
O fato de “Uma linda mulher” ser um filme para mulheres me intriga. A primeira vez que eu ouvi o termo gringo chick flick, com referência aos filmes destinados à audiência feminina, fiquei irritada. Quem fez o comentário não entendeu minha objeção: era claro pra mim, e não tão claro pra ele, que essa coisa de filme pra garotas era usado em detrimento das próprias garotas. Ele achava que os filmes destinados às mulheres – ou chicks – fazia referência ao que de fato parecia não só agradar, mas constituir o não tão obscuro objeto de desejo feminino: sapatos, homens canalhas (ultimamente interpretados pelo Hugh Grant), bolsa de marca, carrões, salão de beleza etc. Então por que algo que soava tão libertário, a afirmação de uma suposta identidade chick, parecia um atestado de submissão desse gênero às mazelas não mais do homem, ok, mas mais ainda às do capital?
 Não é que eu esteja esculhambando as comédias românticas, como se “Velozes e Furiosos” fizesse honra à genialidade e desfaçatez intelectual do macho. Eu consigo, no entanto, entender que uma dose cavalar de testosterona bruta e/ou comédia pastelão de profundo mau-gosto possa causar o famoso efeito feel-good nos machos que assistem aos seus macho-flicks. Agora, o que é que tem no “sim, fulano, você é um perfeito filho-da-p*, bêbado, workaholic, mulherengo, acha que eu tô gorda, me trata mal, não gosta da minha família, não entende de arte, é bruto, sexista e  provavelmente sexualmente inapto... MAS EU TE AMO” que causa qualquer feel goodzinho que seja nas mulheres?

Mas causa, pelo menos a “evolução” desses filmes mostra isso. Diferente do sucesso dessas pérolas, meu encontro com o carinha – e com a Julia Roberts – não evoluiu tão bem. Não é esse o conto-de-fadas feminista-liberal que eu quero. Se é que eu quero um.

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